sábado, 26 de março de 2016

Luana Muniz








































quero te esgotar a vida te impedir de respirar arrancar teus
cabelos comer rir gozar quero te sufocar a risada e te arranhar o
sorriso te tapar os ouvidos te esvaziar de som te entupir dos
meus fluídos te estripar e dar tuas vísceras aos cães famintos
da rua – que não sobre nenhuma tripa pra corda de lira alguma! -
quero te impedir a rima te trair te desprezar te fazer versos nem
que seja do vidro mordido te dar as costas cuspir no nosso prato
desfazer das nossas juras e pisotear nossas lembranças
incinerar a memória dos nossos vícios - foram muitos - quero te
desfigurar te deslembrar sacanear essa alegria que ainda
reverbera nos meus sentidos quero te voltar pro não
pra quando não
pra nunca

quero tirar meu corpo do bueiro
e o teu do armário


xxx



você e o teu riso sardônico, marcelo 
tuas sardas no nariz adunco 
tuas palavras de míssil balístico 
minha vida é um solilóquio infindo 
careço dizer pra mim 
e acreditar no que digo, marcelo 
ontem, à noite, fazia muito calor 
eu me deitei na minha rede 
por pura malcriação
e pensei: 
se eu cair daqui, não morro. 
já é uma vantagem em tempos tão vertiginosos.


xxx


podes espernear e estrebuchar e inquirir quando vai passar,
marcelo
e me exigir que passe, chorar as lágrimas de mil crocodilos
fossilizados e proclamar que não merece, é bom filho come
todos os legumes não tens nenhuma deficiência de potássio,
que já passou há muito dos limites que sua paciência se
esgotou que suas forças se exauriram que é desumano -
pobrezinho! - que não tem mais a menor graça meu feitiço
meu olho meus buracos intermináveis
que já estas de saco cheio, marcelo. que não aguenta mais
brincar disso, disso que esfola e esquarteja, desse jogo que te
deixa macambúzio que te deixa empertigado que te deixa
cabreiro com a vida,
que assim não é direito, que não vais mais acariciar minhas
víboras, que sou uma mulherzinha baixa, eu e meus paganismos
eu e meus incensos eu e meus rituais atropelados, podes xingar
e esbravejar e se emputecer e clamar aos deuses e a todos os
orixás e pedir manuais e filosofias e verdades absolutas e
acender 7 velas à são cipriano
manda beijos à tua devota mãe por mim, marcelo
podes gritar urrar tomar um porre de autopiedade
estilhaça a vidraça do vizinho bate a cabeça em todos os muros
da sala rala os cotovelos no chapisco aprende culinária tailandesa
choras, benzinho mas choras de olhos abertos
alavanca essas pálpebras choras intempestivo como a pororoca
amazônica choras sem paz encolhido na loucura choras por
mim que valho pouco

choras, marcelo
como as crianças e os suicidas


xxx



talvez ele não 

saiba que toda noite 
antes de dormir como um 
cachorro perseguindo o próprio 
rabo eu peço 
fica por favor 
eu imploro ridícula 
por favor 
me queira 
até minha boca 
encher de pragas ou de flores 
talvez amanhã 
diga a ele por favor 
mas me afundo 
em meu próprio mito da caverna 
particular 
como as águas-vivas 
que passam a vida 
tentando pulverizar o próprio 
corpo 
e não conseguem


xxx



nostalgia


assassinato terrivelmente lento
com uma arma extremamente
ineficaz
os olhos dele piscam
contra a luz
polaroid:
aqui dentro
sístole
pausa
diástole
e o meu corpo de repente
abarrotado
de sol



xxx


Deus dos sem deuses


Diga-me qual é a mecânica dos fluídos 

grande rasteira da vida 
que nos impede, ele e eu 
de estar neste 
meridiano 
em chamas 
meus lençóis 
repletos dele 
ondulantes de sangue 
grosso 
pois cada noite 
de suspiro 
ou orgasmo 
tenho eu uma nova 
veia 
e extravagante origem. 
Vez ou outra 
de vez em sempre, acho 
a sensatez 
me absurda 
me ponho a examinar 
estas coisas 
assim banais 

arqueologia dos destroços 
e dela me 
confranjo. 
Diga-me 
porque penetramos, ele e eu 
na divisa do tempo 
o tridente dele 
cravado 
na minha in(decência) 
agora espumante 
e porque 
a lembrança 
      - indecente também - 
é este 
rompedor de peles 
gutural 
e tão milimetricamente 
exato. 
Diga-me 
sobre esta 
fúria 
de virar cometa 
por pura obrigação mundana 
porque quero 
insana 
corrigir as vírgulas 
- as dele no lugar errado 
apenas para ter 
o imenso prazer 
de estragar: 
estuprar 
suas manias 
idiomáticas 
o sotaque 
arrastado 
etc e tal 
e quem sabe até 
a sua 
irritante 
tranquilidade 
de animal 
o masculino 
de um feminino 
uterino e reticente.

Hoje talvez eu queira 

indagar ao deus 
de tantos deuses 
porque nos sentimos 
ancorados, ele e eu 
na mesma antítese 
e entender 
o meu desejo 
de sabotar os vivos 
ovular asteróides 
todo bendito mês 
desaguar 
meu néctar 
em TUDO 
na flora amazônica 
dos seus poros 
- os dele 
em vilarejos 
que começam 
no alto da cabeça 
e vão até 

a planta dos pés




xxx


Eu não sou Jesus Cristo


Eu não sou Jesus Cristo
não tenho a resposta
para as suas madrugadas
de choro sentido
Não aceitei
aquela maçã maldita
a polpa suculenta
do pecado original
(e deveria)
Não mandei o dilúvio
assolar a terra
nem mostrei a minha ira
preta rendada libido
cinta-liga
Eu não sou Jesus Cristo
eu não vim com a missão divina
de salvar porra nenhuma
eu vim pra desonrar
pra ser torpe
vexatória
pra ser a Maria Madalena
que o mundo denegriu
Dopamina
reverberando num sistema
Ácido
no vinho sacrossanto
Eu não sou Jesus Cristo, amor
Não me olhe com olhos utópicos
nem com a fé cega
dos que acreditam no céu
Não me venha
com bondade
estandartes
santas ceias
e milagres
Não pense que sou Jesus
e disserte
sobre a sua Perestroika
na minha antiga
ofendida
devastada União Soviética
(fariseu é só um adjetivo)
Não tente me catequizar
Eu não sou Jesus Cristo
não expulso ninguém do paraíso
de preferências ortodoxas
só tenho uma
nem beata nem puta
desdobrável
talvez vulgar
em dias ímpares obsessiva
Não vou me privar de ser
tendenciosa
pretensiosa
espalhafatosa
Eu não sou Jesus Cristo
mas confesso que hoje adoraria ser
o Messias aguardado
só para ser a responsável
pelos royalties do planeta
chegar de túnica branca
(transparente)
sentenciar o apocalipse
com a minha voz às seis oitavas
raios e trovões
alta voltagem
cataclismas mundiais
Hoje eu queria ser o Messias
Jah
Allah
Oxalá
só pra aumentar
a sua pressão arterial
Te dizer que adoro
ser violada
feito uma caixa de Pandora
cheia de ossos
nervos ocos
superego
Freud entende
a minha pulsão sexual
e que o deserto
o deserto está à porta
e eu te peço, amor:
deixe ele entrar.
Ser humana hoje
só para me sentir
uma mosca varejeira
na ambrosia dos deuses
Ser humana apenas para ser nômade
anfitriã do pecado
Mas antes de tudo
urgentemente
ser Jesus Cristo amanhã
pra chegar no Vaticano e ordenar:

- Canonizem
o meu desejo
em todas as galáxias.


xxx

A vontade

pontiaguda
fina
e cálida
alcançando
o Aconcágua
e eu tépida
e eu possuída
e eu eclesiástica

e vejo

que
a via-láctea
tem mais
átomos
(distraídos)
agora

do que


sempre.

Ainda bem, amor.


xxx


deus na sua perversidade 
nunca me permitiu uma nesga do éden
roa os ossos de adão, disse deus
meu pássaro na garganta empoleirou-se
encolheu o pezinho e guardou a cabeça na asa
nenhum pio
mas é sempre penoso engolir





Luana Muniz, estudante de Letras da UFMG, obsessiva, histriônica, tarada da peste. 23 anos e uma preferência pouco ortodoxa pelos temas eróticos. Escreve uns saltos quânticos (nunca soube o que é um salto quântico, que perigo!) no blog Cronisias e outros poemas avulsos na internet.




5 comentários:

  1. "até minha boca
    encher de pragas ou de flores"
    E viva à intensidade!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. uau!
    belo começo!
    obrigada por me apresentar à poesia da Luana! ;)
    (apaguei o comentário anterior. achei que ficou muito "jogador de futebol" rs.)

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