quarta-feira, 12 de julho de 2017

Carolina Pazos
































Notação Exponencial 
Minha forma de te amar é aprendendo
a potência das plantas da terra
nossa distância até a Alfa do Centauro: 
25 trilhões de milhas.

Te escutei murmurando na noite 
Naquela época eu não tinha tato 
para grandezas ínfimas
Era você que me ensinava a tocar 
a beleza dos hinos          
                                 La Marseillaise
A fórmula da velocidade média 
o peso da palavra 
                           
                                     paquiderme 


você adorou saber 
como o sangue transporta os glóbulos, lembra? 


Duzentos e quarenta mil humanos nascendo por dia, 
você morrendo e eu só me lembro 
do quarto
vazio
você
generosamente
cellula 
cedendo
espaço no mundo

Oximetria de pulso 
Fecho olhos vermelhos 
Eu correndo rua de pijama 
invadindo alas hospitalares 
na incredulidade de quem espera 
que o tempo nos dê a chance de alcançar 
a vida para voltar a desperdiçá-la. 


É vivo o incomunicável? Tento. Faço promessas que eu adoraria cumprir diante de Deus se não fosse tão gauche. Você me conhece e dá risada, eu apenas posso imaginar. 

Como agora te contar do grão-vizir que inventou o tabuleiro persa?

Minha forma de te amar é sufocando 
conversas que tivemos sobre centelhas 
Inventando fábulas indianas para uso dos passarinhos
Olho para minhas mãos
Conto nossos dedos 
e me confundo.

xxx

Razões da loucura

Só porque é hábito de um tempo infindo
A parte do ócio que nos prende ao nada
Uma parte de mim quer voltar pra tua rua
Os pés não encontram o passaporte

No fundo do peito depois dessa bagunça toda
Não grites novamente porque perdi as chaves
Porra, saber que perco absolutamente tudo
Já é suficiente para perder-me a mim.


xxx  


17 de agosto de 2016

No dia que eu te fodi queria correr da tua casa como não podem correr os lobos, com seus pés de nadadores natos. 

Queria cantar uma canção flamenca, mas não tinha garganta ou castanholas. Precisei de um ritual antropofágico. Só havia seu corpo sobre o piso. 

Fiquei então me coçando, com unhas marinhas de prata e fiz uma pose de foca para distração dos transeuntes. 

Queria nadar até outro oceano, para o instante interminável do teu sexo, batendo ponto azul no calendário, perdido no tempo. 

Te ver gozar foi melhor que ver uma baleia, seu esguicho de mar pelo orifício. No topo da cabeça tento esquecer: baleias têm só um parceiro na vida.


xxx


Marginália

Diluída
                  no tempo                não reconheço
sequer

               minhas próprias
                                                          margens ]

Marginal: ensinar silêncios

pôr fim ao filho que sequer carreguei no ventre

construindo cercados para a alma/ viver sozinha na tapera

Seria bem melhor recuperar-me os anos
                                                                      afastada de ti
inexoravelmente

na profunda beleza do claustro comprar um hábito religioso

Não há mais espaço para cantos

fanhos
               para banhos
                                  demorados

não há mais espaço para incêndio
no cachimbo
para pedra                  no caminho
para fruteira com livros de Derrida

para o Melocactus Bahiensis resta a agudez da mórula
resta a lágrima
                                        interrompida
coito de pedras brancas à intenção de jardins impenetráveis

Não há espaço para tua boca devorando grandes lábios
Não há expansão que caiba - um silêncio de repartição

Não há espaço para sentir o nó nas tripas de um hospício infantil
Não há tempo para ir a Damasco cheirar os corpos de onze mil
crianças apodrecendo por uma guerra estúpida

Não há espaço para engaje consequente
nas lutas de Brasília
                               amor
                                       ocupando salas
por estar ocupada
                                            roendo celas
infeliz
                   como ensinam os carcereiros. 


xxx


Exit

Saída é ventre oco de futuro juntos
quando te sinto perto, estás distante
na parede interna: 1500 lumens
toda esperança é projeção,
sabemos.

Feitos à imagem e semelhança
desse barro que agora enfeita
o parapeito do edifício e tosco
              se rompe com o toque
caco tangível enquanto assisto
nascer os girassóis do fim do ano

e assisto

saber de uma doença pagar boleto
trocar favores colocar os pratos
sobre a mesa de alpaca desenhada
para a tristeza passar como um rio
dentro do oco das nossas casas

e assisto

Silêncios entrecortados por banalidades
enquanto uma cineasta de 30 anos
cai no fosso do elevador.


xxx


Estrada do Feijão 

Quando a dureza da tua carne cortar a mim como uma garganta e todas as juremas místicas iluminarem os pés das cordilheiras Ainda as janelas pintadas de azul celeste sobre as paliçadas Ainda a luz de todas as noites refletem brutalmente tua ausência Ainda que, sem mais, a poesia concreta dos teus ossos Se encerre memória apenas na constelação das folhas Nós brincamos de esconde esconde entre esses tempos Na margem do acostamento uma sinfonia escuto.

Ouça,

Somos nuvens como estrelas cadentes de poeira

Te vejo passar
                                    
                                      neblina               
                                     
                                                          pelo vidro da carruagem

Pensamento cujo suporte é meu corpo envelhecendo
As borboletas percorrem as estradas no sertão das noites

Eu estou com este outro, agora eu amo, nada muda isso
Nada apaga os percursos, a vida não tem rascunho
Não é sobre fatos que este discurso trata.

Esta hora morta é uma revelação:

Palavras simples que aprendemos ainda pequenos Jorram no vento como um poço d’água cravado No corpo da terra como uma vagina O silêncio das árvores me diz muito mais Do que a pele que não guarda as tuas digitais. Tive que chegar até aqui, só agora entendo Os místicos acertaram em suas previsões Tudo é amor, eu te amei, agora entendo.

Eu ser o vagalume mais silencioso é decorrência deste arrebatamento
Calo-me e a boca se entre abre
O espaço entre os lábios é Bocaina de uma gruta

Jamais deveríamos saber todas as verdades Não importa quão humilde seja a postura que tenhamos tomado depois dos desmoronamentos Quando meu interior cedeu e desabou um pouco Por cima do que eu supunha ser o que eu era Não importa se somos o que supomos Ou somos em potência, não temos pistas Não importa o quão singelo tudo seja.

A noite está sempre chovendo pedras.

Como uma jaguatirica eu espreito os homens No meio do brejo passa um rio sujo Eu estou cogitando sair na tempestade Vou sair na chuva porque eu não temo Eu não tenho medo da morte nem dos raios Triunfo sobre a natureza não por dominá-la Triunfo entre a natureza por que não escapo dela:
Eu escavo minhas loucuras até certo ponto
Fiz uma valsa para as formigas.

Há anos por aqui andava um capitão a cavalo Homens rudes passaram por estas secas terras Quem saberá dos seus sonhos? As pedras não narram Os historiadores não estão  habilitados a historiar as almas Há anos por aqui andava um capitão a cavalo Homens rudes passaram por estas secas terras Que seca perene no coração do milênio! Toda vida é vã? Lutar para que algo nasça À vazante dos dias plantamos para não colher Pois quase nada nasce. A roça é bem pequena.



Novembro, 2014. Piemonte da Diamantina.


xxx


Berlim

Não quero dormir com você
porque aguardo um mistério
no céu com os aviões de caça

Caçador com cães no breu da mata
Uma casa deserta de pratos fundos

A perfeita luva de veludo
A mão da noite, não a sua
mão comum de homem
polindo

O silêncio da prataria

Uma boca de pregas de pano
Um salto quadrado de dança
Eu espero alguém para dançar
Sob a poeira branca da galáxia
Que converse
também com os mortos
que valorize também um caminho 
habitado pelo abandono

Esse enigma impronunciável
Sinto-me bem entre os aldeões
Eu quero uma aldeia sobre
meu corpo frágil de seda
Uma aldeia pequena, senhor
Pés que sejam da terra
como sou. 


xxx


Residência na terra

De novo fazer as malas, empacotar os livros
Guardo papel de seda para o presente futuro
De novo não saber como teria sido
A dor dos objetos indicando outros rumos

Tudo são resquícios de uma Residência na Terra
Esse pinheiro inclinado, os pelos da Sumaúma
Tudo são resquícios de uma Residência na Terra
Essa viola intocada, essa garganta ressequida

Tudo são resquícios de uma Residência na Terra
Seu cheiro na brisa, hora morta em cima do mundo
Tudo são resquícios de uma Residência na Terra
Esses cacos de vidro, essa vontade de chorar.

Nunca em todo esse tempo eu soube que se tratava disso
Você se perguntava o porquê nasceu e quem são eles
Se eu existo ou se tudo é fantasia de um louco
Falava isso sério e em mim, de repente, um fosso
de compreensão se abriu e eu entendi também

Seus olhos agora me causam um impacto profundo
Seu sofrimento, seus gritos, sua falta de paciência
Os brincos de outra mulher criando raízes no quarto
Seus olhos agora me causam impacto profundo
Dói como um fado a música de Soledad Bravo

Ainda vejo pingar o sangue no piso azulejado
Reformaram o banheiro, confesso que o preferia antes
Como antes pouco dinheiro, a mandioca, a feira suja
Eu preferia o lixo e o caos dessa cidade inteira
Eu preferia a poeira, as aranhas e as baratas da vila
Preferia ganhar o sonho e a casa toda por arrumar
Um vida juntos para arrumar, eu preferia

O perfume de jasmim na treliça do muro
Da vizinha americana, sempre amável e discreta
Eu preferia a mata, o mosquito, o mar, o xixi da gata
Eu preferia muito seu riso branco de varanda
Eu preferia andarmos bêbados de motocicleta
O tempo que perdi amando, os livros intocados
Eu preferia brigar de novo, preferia a Bahia de novo
De novo te conhecer e descobrir que tudo no mundo é dor

Eu preferia ouvir você reclamando de Antônio Carlos Magalhães
De novo afogar meus olhos no abandono da paisagem
Eu preferia o casamento, morar contigo aquela noite
Preferia até mesmo os xingamentos, fingir botar suas coisas fora
Toda miséria do mundo por um pouco de amor, mais nada
Do que esse fazer de malas e esse poema sem fecho.




Carolina Pazos nasceu no Rio de Janeiro em 1988. É poeta, compositora, professora de História e mestra em Estudos Étnicos e Africanos. Atualmente vive em Petrópolis. 

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