ela
pediu pra eu não enlouquecer
parei
de tomar os remédios pra tentar ser gente
mas
uma chuva forte caiu
era
janeiro
e
me escorreguei
perdi
o senso
disseram
é
temporário
os
tremores noturnos
a
matriz de uma ânsia descabida
os
rostos na janela
todas
as noites
os
rostos que catequizam as janelas
nas
casas sem muro
não
há o que se ver que não sobrecarregue a carne
o
corpo ainda sente
curva-se
ao inevitável
tomba
no meio da rua e conclui
não
se dá as costas pra morte
há
sempre um diagnóstico
preto
no branco
vou
morrer de tempo ou
vou
fazer o quê?
re:___________________.
xxx
o homem abocanhava
a pele elástica de frango atirada
à calçada.
comia por todas as necessidades,
acocorado em sua miséria.
com os dedos empapados,
gargalhava e puxava o cabelo,
no transe de ser ignorado.
sem
virar a cabeça
me
pergunta a hora
de
ir eu não sei a hora
de
ir eu nunca sei
como
me curo de mim
mas
sabe Iolanda
velha
louca bruxa
nasceu
mirrada e virou deus
queriam
fosse vermelha
era
preta e quem diria
no
sino do trovão escalava o tempo
e
gritava de ir bem
ir
bem ir bem ir bem
quando
a areia deitava na palha
chão
de terra batida tirava sandália
e
dançava Iolanda
que
os urubus sobrevoavam
a
caspa pisa da mulher abru
pta
quem diria Iolanda era deus.
xxx
rasgava
a camisa com os dentes
a
raiva desnudada de pavor
e
se deixava à beira –
como
adestrar a mão convulsa?
o
mijo morno entre as cobertas era como peitos grandes pietá
aninhava-se
no turbilhão do que era
reconhecia
seu
corpo
erguendo
à boca a própria armadilha
e
lembrava das frutas que nasceram podres
as
que nasceriam pra sempre.
ainda
falava em reparação
o
nariz bicando a asa de frango frita
boca
e mãos luzindo engorduradas –
meu
bem, seu amor é patético ao meio dia.
e
a cara amarela desde a manhã
se
havia
um
grito vinha da cozinha
geladeira
velha
bebo
água e a voz grave do vizinho me treme
outro
copo quebrado
varro
mal
esqueço
e
ah
esse calor terrível
deito
no chão –
você
acha que vai chover?
xxx
choque
uns
passos
segundo
plano
acho
que vi um milagre!
acho
que vi!
as
mãos estavam vazias
quando
o homem louco
aos
berros no meio da rua
esclareceu
o
último gole
a
raiva ainda alinhada –
é
difícil, ele disse,
morrer.
já não alcançava seu sono
lembrava de quando podiam ser tristes juntos.
soubesse a hora de ir, calaria
e encolheria o corpo raquítico sob a coberta embolorada.
por outro extremo, lacunava-se em palavras rasas,
entregue, farta, extasiada –
que não pesasse ser pó, havendo mãos.
xxx
a cabeça de lado, o pelo na língua, os roxos na pele. aqueles homens apaixonados pelas coisas erradas, pelas pessoas erradas. estive muito tempo dentro dos dias, e não olhar pra trás era o mesmo que pedir não me deixa ir. mas há beleza no hálito doente, nas vicissitudes dos corpos, no rasgo imprevisto na carne, e não tão só, quando a espera é o grito.
xxx
puta
que pari um bicho morto
risco
indócil na coxa
barulho
oco dos coágulos esbofeteando a água da privada
estilhaços
imagens
o
enquadramento impreciso
aparar
as arestas até triturar os ossos do rosto
as
unhas perfuram lentas a boca grande calada
é
preciso fugir pelas beiradas
sem
alarde
o
ruído dos dedos esfregando a barba
os
olhos inarticulados nos pesadelos diurnos
as
luzes fragmentadas nas paredes exaustas de tantas
falas
–
era
quando fingíamos ser livres
e
em silêncio cada um olhava pra si
desconjunturando
a barbárie desses tempos
inaudíveis.
Bruna
Mitrano (1985) é favelada, professora da rede pública e mestre em
Literatura Portuguesa (UERJ). Em 2010, esteve entre os vencedores do
Prêmio Off-Flip. É autora fixa na revista Mallarmargens. Tem textos
e desenhos publicados nos: Contemporary Brazilian Short Stories
(Califórnia), Flanzine (Portugal), jornal Plástico Bolha, revista
Germina, Zine Joia, blog da Confraria do Vento, blog da Editora Oito
e Meio, Fórum Virtual de Literatura e Teatro, revista Tlön
(Portugal), revista Diversos Afins etc. Participou das antologias
Algum vazio nesta paz fajuta e Clube da Leitura Vol. III.
Seu primeiro livro – Não – será lançado em breve pela
editora Patuá.
Muito bom!
ResponderExcluirquerida, obrigada por me ler!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirBruna, tu é monstra.
ResponderExcluirtu que é uma demônia lynda.
ExcluirGostei bem mesmo, mais dos três primeiros textos. Muito do da Iolanda. Pra mim o melhor. Dos desenhos, o último, saia vermelha... Mas é tudo poderoso. Siga, Bruna.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
Excluirmeu celular responde sozinho, ó, rs. obrigada mesmo por ler e me dizer o que gostou. pode dizer se odiar também. gosto muito disso. mil obrigadas
ExcluirDescobrir agora a sua poesia por conta do professor de Questões da Literatura que estar usando nas aulas o jogral com poemas contemporâneo e estou embabacada com suas poesias arrasa viu mulher...
ResponderExcluirQueria comprar, mas autografado... Será que seria possível? dei uma pesquisada também no youtube e tipo muito bom, parabéns!
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