O silêncio tem compridas unhas e é
um destruidor de tecido humano:
as costas dos homens e as bocas cheias
de distância são vítimas de mãos nervosas
e tristes.
A noite expele suas pedras nos rins dos magoados.
Segredo
é aquilo que não se pode dizer nem a si mesmo,
porque
não existe a boca, nem o verbo, ou sequer
a
dignidade.
O
corpo protege a mentira quando a fantasia
é
um arbusto desregulado nas arestas
e
nas raízes.
A
palavra enterra o sonho
com
suas paredes de concreto
e
suas frígidas dobraduras.
Pontes
cheirando a álcool
incêndios,
copos vazios,
o
delírio cujo rosto nunca aparece
na
imagem que o espelho devolve.
xxx
Entendi que não posso enlouquecer: escrevo. Para cada delírio invento um motivo, e para cada motivo um culpado: sou religiosa ao extremo: canto hinários de morte disfarçados: a última palavra do poema abrirá crateras: túmulos carregados com o choro de um cachorro faminto: ele sempre está faminto.
Para cada verso há um lugar no qual eu me calo mais fortemente.
Entre a loucura e a realidade existe a linha que repito: sou religiosa ao extremo: rezo antes de dormir, sempre sonho que o inferno me leva. Meu jantar é composto de pão e vinho, mais vinho, muito mais, e também incluo na reza um altar para o álcool: esse instrumento de abrir os sonhos como se abrem as latas de sardinha, e descobri-los com olhar de peixe, igualmente mortos, igualmente apertados em metais baratos.
No fim de cada palavra há morte, um instante de traição.
No final da palavra há um corredor sem portas. No final do poema o espelho se parte e voltamos ao silêncio da ausência de imagem: plantamos as patas no lugar para o qual não há mais outro lugar para ir: isso é o desespero do fim do poema. Inventamos outros, e mais outros, como não fossem degraus idênticos daquele prédio enorme cujas janelas dão para o lado de dentro, apenas, e terrivelmente para o lado de dentro onde os elevadores param em andares inundados de mágoa. Não temos pernas para as escadas, não temos as patas do cavalo.
Ocupa-me até a morte como um observador de gaivotas.
O choro do cachorro confunde o choro da gaivota e ela diz simplesmente que não se ocupará afetivamente do teu olhar pousado na janela enquanto foge de todos os lugares existentes. A gaivota foge sempre, não importa em qual montanha ela esteja. A ti, observador enterrado em estranhas arquiteturas cujas janelas não dão para o lado de fora, resta observar a fuga e sonhar que ela encontre a cobertura de qualquer lugar existente. Não estranhe o vento gelado quando ela canta: o elevador está parado no meio da uma montanha e tu não pode usá-lo.
Apegar-se ao sonho é empurrar a última palavra do poema.
Ocupar-me até a morte com os mesmos dizeres. Fingir que são novos, fingir que eles invadiram novos pedaços de corpo. Mentir que eles continuaram após a última palavra quando todos me viraram as costas. A última letra é um coração jogado fora, a última letra é uma promessa falida, o choro de um cachorro faminto: no poema o elevador para nos andares errados e tu desce na montanha e não há nada nela.
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Entendi que não posso enlouquecer: escrevo. Para cada delírio invento um motivo, e para cada motivo um culpado: sou religiosa ao extremo: canto hinários de morte disfarçados: a última palavra do poema abrirá crateras: túmulos carregados com o choro de um cachorro faminto: ele sempre está faminto.
Para cada verso há um lugar no qual eu me calo mais fortemente.
Entre a loucura e a realidade existe a linha que repito: sou religiosa ao extremo: rezo antes de dormir, sempre sonho que o inferno me leva. Meu jantar é composto de pão e vinho, mais vinho, muito mais, e também incluo na reza um altar para o álcool: esse instrumento de abrir os sonhos como se abrem as latas de sardinha, e descobri-los com olhar de peixe, igualmente mortos, igualmente apertados em metais baratos.
No fim de cada palavra há morte, um instante de traição.
No final da palavra há um corredor sem portas. No final do poema o espelho se parte e voltamos ao silêncio da ausência de imagem: plantamos as patas no lugar para o qual não há mais outro lugar para ir: isso é o desespero do fim do poema. Inventamos outros, e mais outros, como não fossem degraus idênticos daquele prédio enorme cujas janelas dão para o lado de dentro, apenas, e terrivelmente para o lado de dentro onde os elevadores param em andares inundados de mágoa. Não temos pernas para as escadas, não temos as patas do cavalo.
Ocupa-me até a morte como um observador de gaivotas.
O choro do cachorro confunde o choro da gaivota e ela diz simplesmente que não se ocupará afetivamente do teu olhar pousado na janela enquanto foge de todos os lugares existentes. A gaivota foge sempre, não importa em qual montanha ela esteja. A ti, observador enterrado em estranhas arquiteturas cujas janelas não dão para o lado de fora, resta observar a fuga e sonhar que ela encontre a cobertura de qualquer lugar existente. Não estranhe o vento gelado quando ela canta: o elevador está parado no meio da uma montanha e tu não pode usá-lo.
Apegar-se ao sonho é empurrar a última palavra do poema.
Ocupar-me até a morte com os mesmos dizeres. Fingir que são novos, fingir que eles invadiram novos pedaços de corpo. Mentir que eles continuaram após a última palavra quando todos me viraram as costas. A última letra é um coração jogado fora, a última letra é uma promessa falida, o choro de um cachorro faminto: no poema o elevador para nos andares errados e tu desce na montanha e não há nada nela.
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A escuridão penetra silenciosa e
violenta pelas fissuras dos ossos,
carrega segredos de melancolia
que se espalham na correnteza
do sangue.
O
gesto e a fala são restos de
acidentes.
O silêncio costura a pele quando
a palavra se vestiu de
lâmina e dúvida e também de
recusa.
Os vidros do inconsciente trincam mas nunca se partem.
Durante o sono estes vidros desmancham
como flores numa interminável chuva.
Encharcam suas raízes, levam
a água pelos caules, buscando encontrar o
afogamento iminente, murcham sozinhas.
O outono leva a folha da árvore e planta o
desengano nos pátios das casas sem dono.
Uma única luz invade o quarto pelas frestas
Sempre há frestas esquecidas abertas, sempre há
persianas quebradas num apartamento da infância.
A luz é rancorosa e prateada, e
serve como ponto de apoio para
a loucura.
Quando a lua invade o quarto, na madrugada,
sem te desejar uma boa noite, ela te encontra
vomitando delírios pelo chão, sem que ninguém
te erga os cabelos.
xxx
essa linguagem rasteja como uma
acidentes.
O silêncio costura a pele quando
a palavra se vestiu de
lâmina e dúvida e também de
recusa.
Os vidros do inconsciente trincam mas nunca se partem.
Durante o sono estes vidros desmancham
como flores numa interminável chuva.
Encharcam suas raízes, levam
a água pelos caules, buscando encontrar o
afogamento iminente, murcham sozinhas.
O outono leva a folha da árvore e planta o
desengano nos pátios das casas sem dono.
Uma única luz invade o quarto pelas frestas
Sempre há frestas esquecidas abertas, sempre há
persianas quebradas num apartamento da infância.
A luz é rancorosa e prateada, e
serve como ponto de apoio para
a loucura.
Quando a lua invade o quarto, na madrugada,
sem te desejar uma boa noite, ela te encontra
vomitando delírios pelo chão, sem que ninguém
te erga os cabelos.
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essa linguagem rasteja como uma
roda
xamã inconsciente
grita
como se chamasse um
espírito
em chamas
de
volta a si
essa
linguagem massacra
a
si mesma
no
canto do corpo
como
animais desorientados
na
fumaça, essa bruxaria
da
fala - de buscar nos espíritos
água
para apagar incêndios.
xxx
Eu sentei por horas na frente desse espelho
xxx
Eu sentei por horas na frente desse espelho
eu
sentei por horas na frente desse corpo
eu
sentei por horas na frente da tua impotência
eu
fui buscar um cigarro em mim mesma e nunca mais voltei
eu
sentei por horas na frente dessa obviedade
eu
fui buscar uma coisa pequena que pudesse te queimar
como
uma caixa de fósforos para o cigarro que me fez sumir
daqui
e eu continuo sentada por horas sem vestígios
dos
meus cabelos longos, do meu perfume de mulher
esforçada,
a sala contaminada pelos meus desejos venéreos
todos
culpados, todos vermelhos, todos inconfessáveis
a
minha vontade de atear fogo na gente enquanto eu tava
sentada
em você, tão nua tão sem nicotina tão sem propósito
para
aquele fogo, você tão silencioso como um homem que fuma
mas
que não sumiu nunca sumiu daqui.
xxx
Há quem diga que as manhãs
são figuras mitológicas distantes,
abafando, com suas asas douradas,
os sonhos,
Há quem pense no sol como um
catalisador de esquizofrenias.
A cidade também se põe de pé
porque a luz constrange e
clarifica as feridas.
Não temos tempo já que chove
paciência, a eternidade tem os
olhos da morte.
Deve ser mesmo assustador perceber
quando noite, a nudez do corpo
porque é escuro e podemos.
xxx
Não grite pânico perto das flores,
elas ainda estão crescendo.
Veja quantas cores são vivas e indiferentes
ao teu parir de poemas, porque toda melancolia
dissipa os enigmas como quem prorroga.
Fale bem baixo condizendo com a tua
face de mulher assombrada pelos olhos
estáticos dos animais que respiram mal,
daqueles cujos pulmões abrem fendas
de luz em cima das palavras - o sol também
pode ser imitado, ele pode até fazer calor
à noite. Não grite pânico perto dos poemas
eles podem perceber a sua natureza maligna
e a melancolia então derrubará planetas inteiros
só com essa respiração de quem abre fenda,
de quem olha estático, de quem faz réstia,
de quem cresce sem pausa ou motivo.
xxx
as palavras também envelhecem e morrem
às vezes sofrem acidentes
às vezes são luas passando frio
os planetas dormem porque o silêncio é infinito
há imagens que fedem como uma estrela queimada
morrer também é uma promessa
a raiz da planta conhece a própria cova.
cresce assombrada
pranto de acordar as plantas
pranto de desencontrar planetas
pranto de ter nas mãos a queimadura da estrela
às vezes as palavras respiram
pneumáticas
às vezes elas têm medo do escuro do universo
há imagens que cheiram a canibalismo
às vezes as palavras são cristais
bulímicos
pranto de distender madrugada.
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Há quem diga que as manhãs
são figuras mitológicas distantes,
abafando, com suas asas douradas,
os sonhos,
Há quem pense no sol como um
catalisador de esquizofrenias.
A cidade também se põe de pé
porque a luz constrange e
clarifica as feridas.
Não temos tempo já que chove
paciência, a eternidade tem os
olhos da morte.
Deve ser mesmo assustador perceber
quando noite, a nudez do corpo
porque é escuro e podemos.
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Não grite pânico perto das flores,
elas ainda estão crescendo.
Veja quantas cores são vivas e indiferentes
ao teu parir de poemas, porque toda melancolia
dissipa os enigmas como quem prorroga.
Fale bem baixo condizendo com a tua
face de mulher assombrada pelos olhos
estáticos dos animais que respiram mal,
daqueles cujos pulmões abrem fendas
de luz em cima das palavras - o sol também
pode ser imitado, ele pode até fazer calor
à noite. Não grite pânico perto dos poemas
eles podem perceber a sua natureza maligna
e a melancolia então derrubará planetas inteiros
só com essa respiração de quem abre fenda,
de quem olha estático, de quem faz réstia,
de quem cresce sem pausa ou motivo.
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as palavras também envelhecem e morrem
às vezes sofrem acidentes
às vezes são luas passando frio
os planetas dormem porque o silêncio é infinito
há imagens que fedem como uma estrela queimada
morrer também é uma promessa
a raiz da planta conhece a própria cova.
cresce assombrada
pranto de acordar as plantas
pranto de desencontrar planetas
pranto de ter nas mãos a queimadura da estrela
às vezes as palavras respiram
pneumáticas
às vezes elas têm medo do escuro do universo
há imagens que cheiram a canibalismo
às vezes as palavras são cristais
bulímicos
pranto de distender madrugada.
Marieli
Adriani Becker,
nascida em 86, em Passo Fundo RS, estudante de psicologia, mantém o
blog http://hideinbriarcliff.blogspot.com.br/
sempre tão bão ler a dona Marieli!!! e sempre uma delícia de surpresa!
ResponderExcluirmaravilhosa! gosto muito.
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