CID
10 - S91.3
Em
delírio fui copo
À
espera do teu juízo
Fui
esquecida
Largada
no quarto
Durante
sua festa
Virei
cinzeiro
Estive
imóvel e atenta
À
espera do seu chute
Cortei
seu pé
Fiz
sangrar
Causei
toda sorte de infortúnios
Da
dor
Ao
tétano
Nem
cruzes ou credos puderam dar cabo
Até
seu pé ser amputado
xxx
Manuais
A
gente sabe que está vencendo no capitalismo
Quando
nos procuram pra falar só de trabalho
Você
me diria ah,
mas qual a necessidade disso
tudo que fazemos vira poesia, tem eco
Ao
passo que eu ué,
você
fez uma panela enorme de lentilhas essa semana
qual
a necessidade de toda essa lentilha?
Essa
desistência é provisória
Tudo
será superado
Domingos
transgênicos tabagismo danças húngaras
Talvez
seja mesmo de aceitar
Que
a toda hora há alguém traduzindo
— mal
traduzido
Uma
obra do Nietzsche
xxx
O
Sonho
Sonhei
com Paul no metrô
Ele
se detinha em minha orelha e disparava
De
onde vêm todas essas pessoas solitárias?
Algo
terrível acontece todos os dias: acordo
Minha
mãe tenta me animar
Vamos
olhar as modas?
Aqui
tem uma linha, visualiza
Aqui
você, eu do outro lado
O
entorno é um museu
E
essa é a funcionária pedindo
Encarecidamente
não ultrapasse
Entenda,
não porque sou rara ou valiosa
É
que nessa fase da vida
Eu
não tô podendo parar de fumar
Eu
não tô podendo abrir mão da carne
Eu
não tô podendo pegar ebola
Tudo
que almejo é ostracismo
Você
faria melhor uso do seu tempo
Polindo
a prataria
xxx
Um
poema para os Rolling Stones
Quatro
anos de graduação
Dois
anos de mestrado
Seis
anos de alemão
E
quando vejo essa porta vermelha
Ainda
quero pintá-la de preto
Não
tenho mais paciência para amar
Talvez
devesse praticar o zen budismo em Copacabana
Custa
vinte reais a sessão de zen budismo em Copacabana
Eu
não poderia praticar o zen budismo em Copacabana sendo mesquinha
Deixa
pra lá começa sete da manhã o zen budismo em Copacabana
Não
é que eu seja mesquinha é que eu não tenho pra dar mesmo
Tudo
é uma questão de logística
Ando
refletindo sobre estreitar relações com minha espiritualidade e
Fora
da faixa de pedestres um carro em alta velocidade quase me atropela
—Tá
maluca, quer morrer?
—Talvez
eu queira sim, seu idiota!
Às
vezes perguntas tolas me vêm à cabeça
Como
assim você é fã dos Beatles
E
atravessa fora da faixa
Às
vezes pensamentos malignos me vêm à cabeça
Sabe
o que cairia bem agora
Você
de um prédio
xxx
Mwauhauhau
Eu
queria evitar a fadiga e não pensar em você
Respeitar
seu desejo de não poetizar mais você
Porque
aqui você sai efetivamente diferente de quem você intenciona ser
A
minha vingança é que todos os poemas de amor que te escrevi são
ruins
Inclusive
esse
E
minha vontade é reunir todos eles e publicar com o título
Minha
vingança será nunca te escrever um poema bom
xxx
Isso não é um poema de amor
Isso não é um poema de amor
Nunca
te escrevi um poema de amor
Nunca
escrevi sobre meu temor por insetos
É
mais fácil um carvalho transpirar
do
que eu te escrever um poema de amor
xxx
Separar as tarefas do dia
Sair
do acordo com o pântano
Enumerar
lugares mais penalizados
Me
convidar para um ménage
Recusar
o convite por medo de decepcionar duas ou mais pessoas de uma vez
Traçar
estratégias para quando a vida me derrubar tal como
Um
dublê
Traçar
espaços para os quais estou indisponível em ordem decrescente
___________
___________
___________
Começar,
apesar das desvantagens linguísticas
Fazer
pegar o apelido comedor de batatinhas fritas novamente
Se
é que tudo isso me compete
Se
é que tudo isso não seja reabsorvido
Ser
aquela que grita “o rei está nu!” enquanto todos elogiam seus
trajes
Ser
um embuste maior que o rei
Chegar
numa conversa e dizer
Obtusa
monocultura stripes and stars!
Com
entonação solene
Ser
uma dessas pequenas personagens que recebem mais atenção do que
merecem
E
vocês se lançarão em cima da isca
Pintar
por passatempo ou terapia e ganhar milhões
Tirar
desses milhões a grana pro dublê
Bolar
um último recurso
Como
Bart Huges o fez ao per-furar o terceiro olho com uma broca de
dentista
Tornando-se
o precursor da trepanação e um dos expoentes do happening
Elencar
recortes de classe
No
linguajar comercial P.A é calculado através da soma de peças
vendidas dividido pela quantidade de atendimentos
No
linguajar universitário P.A é um pau amigo
xxx
Terra Prometida
Terra Prometida
De
tudo aquilo que gostaria de dizer
Em
sua língua materna
E
não sei
Mando
tímido
Happy
Birthday
Você
responde
Mercy
my beauty
E
agarro forte uma saudade
Do
banco improvável em Tiberias
A
cabeça repousando sobre seu ombro
Em
frente ao Mar da Galileia
Suas
mãos me oferecem uma fruta estranha
Mistura
de laranja com cramberry
Recolho
algumas pedras
Você
me diz
Essas
pedras não são daqui
Foram
colocadas aqui por pessoas
Its
for beauty
As
pedras daqui são cheias de furinhos
Magma
escorreu e esfriou sobre elas
Famosas
balcânicas
Preservo
as pedras para beleza no bolso
Agora
sinto suas mãos massageando minhas costas
Enquanto
caminhamos por Jaffa ao som
Do
mediterrâneo quebrando nas pedras
Como
se fosse água declamando um poema
My
love,
i
miss you so much i wanna fucking kill you
Yasmin Nigri (1990) é carioca,
crítica de arte, bacharel em filosofia pela UFF, onde atualmente cursa o
mestrado na linha de estética e filosofia da arte. Trabalha com mediação
educativa, artes visuais, oficinas de criação poética e performance. Escreve
muito, lê mais ainda e é obcecada por documentários de arte. Além disso, é colaboradora
da revista caliban e co-fundadora e integrante da disk musa.